terça-feira, 16 de setembro de 2008

O Canto da Sereia




Tá, eu vou tentar entender.

Abre o site, que é pra ser um site de informações e notícias. No que poderíamos chamar de “primeira página” está “estampado”, com certo destaque, a “notícia”: “Carolina Diekmann fica 5 dias sem lavar o cabelo”. Estão me provocando, é algo pessoal – pensei. Quem dera fosse.

É um site jornalístico, de um grupo empresarial grande. E me vem com esse tipo de “notícia”? Eu sei, tem muita gente que vai achar isso interessantíssimo, como assim, ela não lava o cabelo, e blábláblá. Mas é um jornal, de notícias, abrangência internacional. Custa caro, cada pixel naquela homepage vale muito dinheiro. Não vou dizer o nome do jornal, por que na realidade tanto faz, todos eles dão essas derrapadas frequentemente.

Quando eu abro um jornal, quero saber o que está acontecendo no mundo, no país, saber da vida. Mas não isso. Ou até, se quiser, pode ser, mas não na primeira página. Me constrange.

Talvez, eu esteja muito acostumado com a maneira de ver dos meus concidadãos alemães. Aqui na Kartofelândia eles não ligam tanto pra aparência como no Brasil. Eles não estão de fato muito aí pros modelos de beleza – sabem que existem, sabem quem são e gostam de apreciar, mas não são viciados em aparência como nós (me incluo solidária e tristemente). Ao contrário, às vezes ligam tão pouco que chega a ser embaraçoso. Não é raro encontrar alemães com os dentes à moda Maria Elvira de Manuel Bandeira – em petição de miséria. Eles não compram a prazo e não acreditam em creme dental, parece. Eu não ligo. Aliás, em relação a isso, acho ótima a vida aqui. Não há a menor pressão pra ser “O” bonitão da parada, ter a barriga riscadinha, o cabelinho tictic, a roupa Xplus. Não, aqui melhor é você saber coisas, poder conversar inteligentemente e surpreender com seus pensamentos. Até porque eles não são chegados em “primeiras impressões”. A primeira impressão, para os alemães, aquela tal “que fica”, acontece muito depois do primeiro contato. E não é muito fácil ultrapassar a barreira desse(s) primeiro(s) contatos e chegar a causar alguma impressão de fato.

Por isso eles são vistos como frios. Mas olhando com olhos abertos, isso deixa de ser um defeito teutônico, e passa a ser uma qualidade interessante. Por que assim, eles não compram a fachada, a máscara, o verniz, como nós brasileirinhos espertos, costumamos fazer. Aqui, se você é um cretino num carrão, cheio de dinheiro no bolso, bonito e bem vestido, pra maioria das pessoas você é o que é: um cretino.



Uma amiga minha, quando me conheceu, me disse ao me ver escolhendo roupas pra me vestir: vocês, brasileiros, são mesmo “coquetos”, não? Heim? Coquetíssimos, vocês brasileiros...! – no seu sotaque latino-americano hispânico, eu achei graça. Mas depois pensei a respeito um pouco e me deu uma ponta de dúvida – será que isso é bom, ou nós estamos tão enfiados na influência da mass-media que confundimos a beleza com a aparência superficial em tudo e de uma maneira tão intensa que esquecemos o que se passa por trás do cartão de visita? E se for assim, somos uma nação de neuróticos, querendo perder um quilinho a mais aqui, puxar uma ruga ali, gastando rios de dinheiro, tempo e trabalho com futilidades de uma vaidade vã, enquanto outros povos estão estudando as profundezas da terra, da alma ou do próton? Será que estamos vendo TV demais?



“O Brasil é a capital do mundo em cirurgia plástica” – é a opinião de Rahda Syed, presidente da Sociedade de Medicina Estética dos EUA. Curioso, não? Somos uma nação de contrastes, onde a miséria coabita as cidades mais ricas, misturando-se apagada e ruidosa aos carros importados e madames conduzidas por motoristas. Mas isso não importa, ao brasileiro importa muito estar parecido com o modelo que ele vê nos meios de comunicação. Somos o povo que mais faz plástica no mundo. Eta povinho pra nascer errado né? Se não, pra quê tanta correção?


Que pena. Com a abundante e sub-utilizada criatividade escondida nas ruas do país, com toda a entregue alegria com que o povo se dá ao prazer de viver, é triste perceber que muito dessa energia se desvia e se perde em recalques tão desimportantes.

Há um tempo atrás, quando ainda vivia em Curitiba, lembro de descer a serra com algum dos meus irmãos. No meio do caminho, passamos sob um enorme outdoor, onde o rosto de uma belíssima mulher nos olhava provocante, tentando vender alguma coisa. Que obviamente não me lembro o que era. Nós dois comentamos a respeito da beleza estampada, e eu disse, professoral, “linda, mas não é uma mulher. E isso a gente tem que ter sempre na cabeça. Isso que está ali, não é uma mulher”. Ele me olhou um tanto espantado, e disse, “claro que é uma mulher”.

Essa é uma idéia antiga, que se sedimentou em mim durante meus últimos anos em São Paulo.

Convivendo com o meio das produções cinematográficas e toda a entourage envolvida, fui entendendo a partir das minhas experiências afetivas com as belas atrizes e outras profissionais do meio, que muitas vezes sem querer a gente vê a foto, e não a pessoa. E se apaixona pela foto, sem perceber. Tarde demais, eu caía na real e via que a mulher que estava ao meu lado era bem um ser humano – mudança de percepção que podia vir para bem ou para mal. Mas sempre foi surpreendente. Então, passei a notar como todos a minha volta estavam, como eu, enebriados pelas belas fachadas. O glamour. As luzes. O brilho. Um globo espelhado de vaidades, que gira frenético e ilumina as pessoas como a lâmpada atraindo as moscas. Mas as moscas que ali encostam, em geral se queimam.

E eu percebi ali, com as minhas relações, que esse tipo de ilusão na verdade se extendia para além dos namoros e amizadas. Essa ilusão é só mais uma faceta do consumismo histriônico que afeta os ocidentais, em especial os brasileiros e muito intensamente os paulistanos e outros cidadãos de grandes centros. E, devagar, eu fui notando isso em cada gesto dos meus conterrâneos. Na maneira como as pessoas saem pra se divertir. O paulistano vai em três a quatro ou cinco lugares numa noite de sábado – como numa ânsia de ter todas as baladas de uma vez, como se o “imperdível” fosse de fato imperdível. E compra. Gadgets, roupas, badulaques, objetos pra casa, brinquedos com luzinhas que piscam. Somos índios sendo iludidos pelos colares de contas e bolinhas de vidro dos conquistadores do império.

Alguém já parou pra pensar o que isso causa, no final das contas? Pra onde vai toda a porcaria consumida, a quantidade de lixo resultante? E eu posso falar de lixo físico, mas acho que o espectro vai muito além do objetivo (na verdade, sobre o lixo palpável alguém já pensou e colocou em vídeo, assista). No meu caso, levou alguns anos pra recolocar minha pessoa no espaço da realidade – e não sem grandes sacrifícios. Por que a ilusão, essa ilusão de glamour e importância, é como um ópio, enebria e vicia. Todos somos amigos do Rei. É cocaína pura, e de graça. Mas o revertério é brabo.

O clichê “a verdadeira beleza é a interior”, ainda que clichê, deveria ser mais bem arraigado na mente dos nossos brasileirinhos e brasileirinhas. Eu não desprezo a beleza física – sempre fui atraído em primeiro lugar pelo que vi nas mulheres, e só depois pela sua personalidade. Mas isso é óbvio, eu não sou cego, e ainda por cima sou homem. O que me faz altamente susceptível ao contato visual. Mas estou bastante escolado pra saber que mulher bonita pode ser só isso – mulher bonita. E isso não garante nada de nada. Meus amigos matchos que me desculpem, mas um rostinho bonito num corpinho ajeitado não garante nem uma boa noite de sexo – cansei de me deitar com moças esculturais que não sabiam onde o galo canta. Às vezes, não sabiam nem que existe um galo, e que ele pode cantar. Como diz meu primo, "lindas de longe, longe de lindas".

Pode ser a gostosa que for, se não tiver estofo é melhor não gastar tempo. Muito menos lábia, dinheiro, fosfato, o que seja. Não me venha com a conversa de que “você quer ela pra conversar?”. Sim, eu quero ela também pra conversar, minha vida é muito curta, me desculpe. Preciso de mais do que um cartão de visita pra sentir alguma emoção. Afinal, o sexo começa na cabeça (as moças em geral já sabem disso por sua própria natureza). Que diremos do Amor. Se você não descobriu isso ainda, meu caro, está perdendo grandes momentos.