terça-feira, 11 de setembro de 2007




Parece que vai chover, não?
Acho que vai. E aqui quando chove, faz um estrago danado. Por que se é uma chuvinha miudinha, não tem tanto problema. Mas às vezes cai cada pé d’água, que vem rolando tudo lá do alto da serra, toco pedra pau bicho afogado, até um peão da mina uma vez boiou por aqui.

Já teve tempos em que a chuva era uma coisa boa, até, nessas terras. Chovia um pouco, parava, dava uns dias pra secar, molhava as plantas, enchia os tanques. Era uma coisa que ia e que vinha. Tem sido assim, até que bastante tempo ficou sendo assim. Minha avó dizia que quando a trovoada trovoava era por que estavam mexendo os móveis no céu. E uma das empregadas de minha mae dizia que a trovoada carregava criança. Claro, as crianças que atormentavam a sua vida – normalmente eu e meu irmão.

Mas faz uns meses voltou a dar essas trombas, já dá pra ver de vez enquando ali no lado onde está mais escuro uns rasgos que a água está fazendo na encosta. Daqui a pouco periga vir tudo pra baixo. Será por que, heim? Que agora voltou a ser assim?

O tempo está esquizofrênico. Antes eu achava essa palavra engraçada, “esquizofrênico”. Esquisita, dava vontade de rir. Mas hoje em dia não acho não. Me parece que tem um sofrimento dentro dela, que é triste.

Não acho graça em ver alguem cair no chão. Não entendo bem o que as pessoas que dão risada vêem de engraçado – pra falar a verdade, me dá até uma dorzinha fria na base da espinha quando eu vejo alguém se machucar. Ou mesmo só cair no chão. Eu não era assim antes. Antes, antes do quê? Antes antes.

Se vai chover de novo essa noite, eu não sei. Pode ser. Não gosto não, minha casa tem as paredes finas, quando chove entra agua pelas frestas e pelos buracos, junto sempre com um vento gelado – acaba que eu não durmo bem, fico tremendo de frio na cama. Mas gosto dos trovões e dos relâmpagos, por que é como se alguém me lembrasse que algo está muito vivo. Gritando e explodindo de tão vivo. Mas não compensa o frio que eu acabo passando dentro de casa.

A água da chuva invade as terras todas, empapando tudo, empapando as figuras das pessoas, parece que tudo vai se acabar, fica um escurão danado, um céu gordo prenhe, esticado de tanta água. Vem e violenta os matos, derruba os barrancos, venta nos bananais e os bichos todos tentam se esconder como podem, mesmo as pessoas correm como se fossem derreter.

E o peito da gente fica assim, como se levantasse da terra hoje e fosse o primeiro dia de todos, com todas as coisas ainda por fazer, as montanhas pra erguer, os mares pra bombear, o ar pra se respirar inteiro.

Hoje ainda vai chover.