quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Minhas caras e caros,

tenho corrido muito em outras paragens, e não tenho tido tempo de escrever nada aqui (que preste ou não).

Em compensação, pra não ficar no vazio, compareço ao baile com os meus últimos trabalhos neste alhures, na profícua função de Diretor de Arte:






Esses são de uma campanha para o Ministério da Agricultura.
Produção da Like Filmes, direção de Guto Araújo.

Esse abaixo é da Like também, mas com direção de Pedro Serrano:



Por fim, também com direção de Guto Araújo para a Vapt, um filme de direção de arte anos 80, bem divertido de fazer:



É isso, mes chers amis, aqui finda a prosa.

Amplexos.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Para os desatualizados mais atentos, ficou obscura a razão de não haver mais posts escritos nesse blog de meu deus. É que as coisas vão e voltam de um jeito né. Pois vem ao caso muito que eu estou trabalhando novamente com Direção de Arte e Cenografia há um ano mais ou menos e não tive tempo para debruçar meu hercúleo plexo sobre o teclado e metralhar bobagens. Como prêmio de consolação, enquanto não tenho um portfólio mais ajeitadinho, fica aqui uma série de links como um protofólio dos jobs dos últimos meses. Cenários de TV em que trabalhei com Isabelle Bittencourt, contato para shows embaixo do seu vídeo beijos abraços e demais demonstrações de apreciação aos que agora em paz deixo.


terça-feira, 14 de dezembro de 2010

segunda-feira, 29 de março de 2010

Acordou satisfeita e distraída na cama do amante.
Não botou reparo nesse sabor.
Ela não sabia: não faria amor por muitos anos.

domingo, 15 de novembro de 2009

Sir Percival

Ele punha as mãos na cintura, empertigado e tranquilo, dava um trago no cigarro e soltava a fumaça num suspiro satisfeito. Olhava a luz do sol batendo na água da represa e dava um sorriso. Ou então, muito sossegadamente sentava na grama após o churrasco e ficávamos todos, pais, mães e filhos, batendo um papo preguiçoso no fim de tarde. Era assim Percival Brosig.

Eu devia ter uns treze ou catorze anos. Estávamos passando o carnaval na praia, me divertia maltratando um atabaque enquanto a casa toda batucava e cantava Jorge Ben, Fio Maravilha, Charles Anjo 45 e um desfile de outros malandros. E ele dizia, como um bordão do feriado: o que eu não quero é tra-ba-lhar! Numa das noites, eu dormi na rede, na varanda (era o único adolescente da casa, estava livre pra novidades). Achei que ia ser fácil, afinal tanta gente consegue... que nada. Mosquitos, muito frio de madrugada, foliões bêbados cantavam a altos brados. O sol nasceu e Perci surgiu logo depois, vinha manso pela rua, pisando macio, os cabelos em revolução. Tinha passado a noite na farra, como um bom brasileiro, e ia pro seu justo descanso.

São muitas lembranças coloridas e fortes desse cara. Eu olhava pra ele e via um amigo, um tio, um tutor - e aprendi com ele sobre jeitos especiais de se ver as coisas que outras pessoas não tem. Sobre batalhar e não deixar o astral cair mesmo quando a vaca já atolou. Aliás, Perci foi meu mestre de desatolamentos - junto com meu pai, tiramos inúmeras vezes as nossas brasilias e variants da lama, durante toda a década de 80. Hoje a gente raramente atola, mas quando o barro da estrada fica mais grosso e o carro desliza, impossível não sentir uma sensação familiar de prazer e desespero.

Por que o Perci tinha os braços fortes e uma ossatura de guerreiro teutônico - eu era menino e ficava admirado. Ele não tinha rodeios nem frescuras - tacava a mão na bicheira do cachorro e limpava a ferida sem nem piscar, a camisa toda salpicada de sangue. Reclamava só do absurdo que era deixar o bicho chegar naquela situação, que aquele povo era muito ignorante. Apertava porcas, parafusos e dobrava arames pra qualquer gambiarra com a mesma destreza que sentava na prancheta e desenhava delicadezas. Era o modelo, ao lado de meu pai e raros outros homens, daquilo que eu queria ser e ter, além de barba e voz grossa.

Quando fiquei sabendo que ele não estava bem, me deu um aperto. Mandei um email pra ele, dizendo essas coisas, de minha admiração por ele. Eu estava na Alemanha e não podíamos nos ver. Eventualmente nos falávamos por Skype, e eu acompanhei os acontecimentos através do meu pai.

Foi ele quem me ligou ontem pra dizer, entre soluços, que Perci tinha nos deixado enfim. Foi um telefonema de poucos segundos, por que nenhum de nós conseguiu mais falar. Eu tive o peito de repente cheio até a boca duma onda de saudade e carinho tão grande que cheguei a sentir calor. E duas ou três lágrimas contidas e discretas, mas insistentes, me tiraram da sala de reunião - a vida prosaica do cotidiano sendo atravessada pelas hordas bárbaras do imprevisto lancinante.

E agora eu só posso saber disso, dessa saudade e desse carinho que ficam e vão ficar, do amor pelo que eu vivi e aprendi, pelas pessoas que ganhei com ele - Vivi, Emília, Tutu, Tuca e todas as crianças que eu ainda não conheço. Amor pelos caminhos cruzados, pelas noites brincando com a turma na Rua Bocâina, as viagens e o cheiro de terra e borracha e chuva e motor molhado, churrasco e água de rio, lapiseiras, réguas T e cimento, cigarro e festa.

Lá se foi o irmão de todos nós.

domingo, 20 de setembro de 2009

O Bote

Meu deus, ele disse.

Seu corpo está tremendo. O rosto cheio de bolhas de sol, se curva pra molhar o pescoço. Patético. O marinheiro morto vai boiando no verde escuro. Meus braços estão tremendo também, esforço demais. O bote é pequeno e raso, mas estamos muito fracos, o cara era pesado. Muita fome. Ele não tira o olho, finge que está dormindo, mas não tira o olho. As costas na tábua, uns trapos pra proteger do sol. Não gosto desse cara. De papo mole com a Roberta o feriado todo. Antes da porra da lancha pegar fogo e afundar. Não sei cadê a Roberta. Queria comer minha mulher, né safado? Vai morrer de fome igual eu, igual o coitado do marinheiro. Babaca escroto. Estou tonto, sinto o pescoço latejar apoiado na madeira. Os lábios queimam, minha pele escamando feito estuque. Cheiro de sal. Pelo menos ainda temos água. Pra uns dias. Penso um tortelini. E apago.

Acordo, puta frio, madrugada. Um monte de estrelas, lua baixa. Consigo erguer a cabeça. Ele está ali, branco. Dormindo? Ou morreu. Vai ser foda se ele morrer. Não estou a fim de ficar sozinho nesse vazio. O frio me dá um pouco de força, tento sentar. Não dá. Escorrego as costas na bóia, feito uma foca. Tomo uma tampinha de água. Algumas tampinhas por dia. Faz o que? Dez ou doze dias. Uns quatro ou cinco sem comer. Me lembro da Roberta. Os pelinhos arrepiando na maresia. Roberta, a perfeita. Puta fome. Procuro qualquer coisa na linha do mar, tudo embaçado. Tento levantar, espremo os olhos. Nada. Deito de novo, exaurido.

Quantos dias já? Quinze? Vinte? Tudo misturou. Ouvi um avião passar, hoje. Acho. Ou ontem. E a voz da Roberta, gritando. Meus pés estão dormentes, molhados. Acho que ele quer me matar. O puto. Perdemos a faca faz tempo. Então ele vai me sufocar. Tem fome, dor, geme muito. Ele escondeu a faca, tenho certeza. Pra me matar. Tenho que achar. Me viro pro lado. Sonho.

É fim de tarde, tudo amarelo demais. O mar calmo, dá pra ouvir as marolas roçando a bóia. Estou encostado, de frente pra ele. Dez dias sem comer, dois dias sem água. A faca brilha na mão dele. Por que não me matou quando eu dormi? Vem, puto. Vem buscar.

Ele não se mexe. Há horas. Toco seu pé com o meu. Nada. Me arrasto, chego mais perto. Está morto. A fome.

Pego a faca.






(Exercício da oficina com Marcelino Freire na Casa das Rosas - conto de até 25 linhas com tema secreto, presente no subtexto - "canibal")

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Caramelos a uma Dama Louca

(A Time it Was - Curitiba 2005)

Eu já tinha me esquecido - e foi numa dessas nossas noites que me lembrei.

Por que te ver assim, nua, me olhando, eu ali feito um tabuleiro de xadrez e você me analisando.

Todos esses anos distante serviram pra me refazer, foram anos de reposição das latas de pensamento nas prateleiras da mente - latas que você ajudou a bagunçar e derrubar no chão, você com sua loucura e sua energia descontrolada. A mesma energia que me fez sofrer tanto há alguns anos atrás, a mesma dureza asfáltica que me levou pra outro hemisfério - que me fez, combalido, te abandonar por novas aventuras.

Longe de você, aprendi mais de mim. Aprendi a ser sozinho e, sozinho, a viver minhas paixões - paixões de terra e de céu, de coração e de braços. Foi longe que pude ver que eu ainda tinha muito homem dentro de mim - apesar do tanto de mim que se moldou burilado nas tuas iras e nas tuas alegrias - descobri que você me lapidou, mas a gema bruta da minha força nasceu comigo. E que por isso, todo meu amor é meu, e não seu. E é por isso que eu consigo voltar e te ver e saber que te amo ainda, e que isso não me dói. Ao contrário, posso ver que com toda a tua grandeza, toda a tua força, eu agora não tenho dúvidas de que sou maior, muito maior e mais forte - e por isso te domino.

E agora que nos reencontramos, eu exploro tuas fendas, teus infernos e paraísos - caminho por tuas curvas em deliberada atitude de Senhor das glebas, e minhas pernas se trançam nas tuas tramas, embebidas dum querer tranquilo e inquebrantável.

Nos reencontramos há tão pouco tempo, e mesmo assim tanta coisa emergiu - pensamentos que ficaram no passado, idéias a se ter que eu, aflito, abandonei no limbo da ausência. Agora me voltam essas idéias, planos para nós dois, sonhos de convivência e crescimento mútuos. Te quero linda, forte e equilibrada, brilhante e cheia dos teus mistérios - como sempre foi pra mim. Vejo a malícia que é tua atmosfera, a velocidade de pensamento que te marca. Um fluxo dinâmico de palavras e cores e sons, tudo isso me apaixona, me re-apaixona.

Eu paro e te observo absorto. Teu presente é vivo, pulsante. Eu te toco, te cheiro, te ouço. Me sinto um menino explorando o quintal dos avós.

Por que eu nasci e cresci nas tuas ruas, sou asfalto dos teus caminhos - por que te chamam de metrópole, o terrível abismo urbano brasileiro, o liquidificador de almas - te chamam São Paulo. Eu te chamo minha cidade, meu amor.

(Fossile - Wuppertal 2007)