domingo, 18 de maio de 2008

Se já estamos na primavera


Na primavera os corações saltitam, as borboletas flutuam céleres, os besouros lépidos alcançam seus almejados pares, e cada ser da natureza borbulha em instintos amorosos, debaixo do sol tépido entre o florecer das cores e perfumes que pinta a mão invisível da mestra natureza. Certo?

Errado.

Deveria ser assim, mas não vai estar sendo – diria a operadora de telemarketing.

Ai, lá vai o Daniel criticar de novo, reclamar, que rabugento. Esse menino tá ficando velho demais, vão dizer. Não, muito ao contrário. Meus sentidos estão aguçadíssimos e meu espírito cheio de desejos. E é precisamente por essa razão que fico indignado quando abro a janela do meu apartamento num início de tarde de domingo em pleno Maio apenas pra constatar que lá fora está mesmo frio e úmido. Que o sol não brilha, pra isso não preciso abrir a janela pra conferir. Mas frio? Que chova, ok, aqui ainda é Wuppertal, mas frio? É alguma piada? Ou realmente nossos preconceitos estão se mostrando fundamentados e se transformam em polar realidade? Polar é exagero, mas 13 graus não é nenhum clima primaveril, ainda mais antes das duas da tarde.

Como disse o meu tio Karsten, Ich bin ein Sonnenkind - eu sou uma criança do sol. Amaldiçoado eternamente com uma pele branca de lagartixa, fina como a pele de um bebê (o que ao menos me vale o predicado de tê-la muito macia, propícia a toques amorosos e carícias recíprocas), não posso aguentar o sol brasileiro, seja de inverno ou de verão, por mais de 5 minutos sem proteção após as oito da manhã. A não ser que já esteja queimado de mais de 20 dias, num bronze cor de telha que trai a minha condição de descendente de bigatos de goiaba europeus. Por ser um Sonnenkind, detesto levantar da cama em dias escuros, e brilho como um espelho se o céu se mostra azul e cheio de luz. Ademais dos meus traços bipolares, creio que um céu plúmbeo, grávido de água, é capaz de sombrear minha mente até onde não existe luz. Parece que meu corpo pesa duas vezes mais e tudo tem que ser muito mais engraçado pra eu dar um sorriso. A não ser que eu seja afortunado e encontre no meio do dia algo ou alguém muito especial, numa dessas situações raras em que o sol brilha mesmo sem estar no céu, como quando a gente faz uma descoberta inusitada e prazeirosa ou se surpreende de repente ao ver na rua alguma pessoa muito querida. Mas é difícil.

Existe a idéia de que a gente é que faz o clima, usando a força do pensamento e da vontade. Cansei de ler em montes de livros e artigos autores que, de maneiras diferentes, seja por meio da meditação zen ou shivaísta, transcedental ou não, seja através da imposição do pensamento ou da neurolinguística, do respiracionismo ou da dieta das cinco luas, enfim, seja como for, encontra-se a panacéia para as dores do humor. Não que desacredite, muito ao contrário, eu que sou adepto da prática da meditação e vejo no zen e no taoísmo duas das melhores formas de se entender a grande questão da existência. Mas talvez não tenha ainda, nesses anos, atingido o grau de desprendimento necessário para ver o céu azul e tomar um banho de sol quando o dia está londrino. Com muito esforço e apenas nas condições de temperatura e pressão ditas ótimas - seja sobre um tapete de pêlo felpudo (que não coce o nariz) diante de uma lareira tomando um vinhozinho bem acompanhado, seja lendo George Steiner enfiado numa maçaroca de edredons e travesseiros cheirosos com mãos macias massageando meus pés enquanto as gotas da chuva pintam de abstrato a realidade estampada no vidro da janela, sou apto a dizer que o dia está BOM. Dependendo da companhia, o dia pode chegar mesmo a estar ÓTIMO, até MARAVILHOSO, desde que não precise sair para comprar cebolas no mercado ou trocar o pneu do carro na viagem de volta.

Vão me apedrejar, dizer que eu sou um Zé-Limão, que sou um cara amargo que não consegue tirar prazer da vida. Não se engane, eu não estou dizendo isso. Não critico o criador por ter inventado a chuva ou o inverno, eu que sou romanticamente apreciador das intempéries, sinto o coração disparar quando assisto uma tempestade, passo horas (horas?) apenas olhando o vento despenteando as árvores e roubando as folhas, me enterneço vendo a neve cair e acho que a chuva quando cai limpa o ar e renova tudo que está plantado, inclusive os edifícios e algumas pessoas. O que eu sem dúvida desaprovo, e se fosse pra notificar o responsável eu seria voluntário, é a desorganização que ora se apresenta. Que faça frio no inverno, sim, ótimo, comeremos fondue, tomaremos vinho, os que ainda podemos. Que chova forte e grosso no verão, alguns dias no inverno (prefiro a neve), por que eu amo o verde das folhas (mesmo que de vez enquando só haja por aqui o marrom acinzentado dos troncos e galhos desfolhados). Mas na primavera, não pode fazer esse frio tosco. Olha, é culpa da globalização. Só podemos chegar a uma sábia conclusão, e eu repito até ser ouvido: o mundo vai acabar.

Mas se acabar na primavera, podia ao menos ser num dia de sol, a gente no lago nadando pelado.

E outro dia tirei essa foto, que posto hoje aqui, em franca solidariedade aos wupertallenses de boa índole e consciência, que lutam por um mundo melhor, repleto de amor, onde a luz da primavera possa de fato brilhar em todos os corações do vale, as televisões funcionem simplesmente, e nós, os animais, recebamos enfim a recompensa pela longa espera e possamos nos banhar no fulgir da presença voluptuosa e quente dos amantes apaixonados.


Ora, enquanto eu escrevo isso, olho pela janela e vejo que devagar o tempo melhora.
Pôxa, melhorar no fim do domingo?